A Igreja Perseguida

Naqueles tempos havia deuses para todos os gostos, que representavam todas as forças da natureza. Enquanto no panteão romano cabia sempre mais um deus, levado pelos imigrantes estrangeiros, o Deus dos cristãos não tinha figura física para enfileirar ao lado dos demais. Eles não tinham deuses que pudessem ser contemplados com os olhos; por isso era gente sem deus. Devido ao facto de rejeitarem esses deuses pagãos, os cristãos foram rotulados de ateus.

Também, por celebrarem o culto em segredo (incluindo a santa ceia) foram acusados de imorais e canibais. Isto é, em segredo entregar-se-iam a fazer filhos que depois comiam em festa. As catacumbas de Roma foram, durante dois séculos, lugar de refúgio, culto e cemitério dos cristãos. O testemunho das catacumbas atesta a existência de vários milhões de crentes, além daqueles que ali não eram sepultados.

A primeira perseguição contra a Igreja foi movida pelos judeus, ainda no período apostólico, conforme relata o livro de Actos. Depois dessa, aconteceu a feroz perseguição de Nero, em Roma. No ano 64 deflagrou um grande incêndio que durou nove dias e reduziu a cidade a escombros. Visto que Nero tinha revelado o desejo de fazer dela uma cidade de mármore, recaiu sobre ele a culpa do incêndio. Porém, o assassino imperador breve encontrou quem poderia responder pelo incêndio e tratou de acusar os cristãos. Afinal, eles eram gente desprezível que não se encurvava aos deuses protectores do estado romano.

Mediante a tortura arrancaram confissões a alguns cristãos, os quais foram assassinados. O imperador mandou crucificar muitos. Outros foram vestidos com peles de animais e atirados às feras no circo nos espectáculos públicos. Ainda outros foram metidos em sacos besuntados de pez e colocados nos jardins imperiais para arderem iluminando as suas festas nocturnas. É provável que Pedro e Paulo tenham sido sacrificados nesta ocasião. Os cristãos foram periodicamente perseguidos até ao século IV, quando Constantino lhes reconheceu a liberdade de culto.

A fim de fomentarem e manterem a unidade do império à volta do Mediterrâneo, os romanos juntavam os deuses regionais num lugar a que chamaram Panteão. A partir do século III a.C. o sincretismo religioso ganhou força por estratégia dos imperadores. Além disso promoveram o culto ao imperador como centro da unidade pretendida. Afinal, como representante do deus Sol Invictus, ele podia também receber culto. A isto os cristãos se opuseram com audácia dizendo que só tinham um Senhor a quem prestar o devido culto.

Inácio, bispo de Antioquia, nasceu por volta de 30/35 e a 107 foi martirizado por se recusar a adorar os deuses do paganismo. Os irmãos em Roma quiseram intervir em sua defesa, mas ele respondeu desta forma espantosa: “Sou trigo de Deus, e os dentes das feras hão de me moer para que possa ser oferecido como pão limpo de Cristo”. “Se nada disserdes acerca de mim, eu chegarei a ser palavra de Deus. Mas se vos deixais convencer pelo amor que tendes pela minha carne voltarei a ser simples voz humana”. Existe a opinião de que o indomável bispo morreu como esperava.

O testemunho de Policarpo, discípulo de João, e bispo de Smirna, é semelhante. Tendo insistentemente rejeitado adorar o imperador, foi levado perante o juiz e este convidou‑o a gritar diante do povo “abaixo os ateus”, referindo-se aos cristãos. O bispo, apontando para o povo respondeu: “Sim, abaixo os ateus”, referindo-se aos pagãos. Então, o juiz insistiu para que jurasse pelo imperador que amaldiçoava a Cristo. O destemido bispo respondeu: Vivi oitenta e seis anos servindo‑o e nenhum mal me fez. Como poderia eu maldizer ao meu rei, que me salvou?

O juiz ameaçou‑o com as feras e com o fogo. Policarpo respondeu que aquele fogo duraria apenas um momento, mas o castigo eterno nunca se apagaria. O juiz ordenou que o levassem para ser queimado vivo. Imediatamente, toda a população da localidade saiu para apanhar lenha para a fogueira. Quando já estava atado ao poste, pronto para ser queimado, Policarpo levantou os olhos e orou desta maneira: “Senhor soberano, dou-te graças porque me consideraste digno deste momento, para que, junto a teus mártires, eu possa ser cálice de Cristo. (…) Por isso te bendigo e te glorifico. Amén. E assim entregou a vida aquele atleta de Cristo.

Outro dos mártires foi Justino Mártir, c. 163, um dos mais distintos pensadores cristãos. Ele mantinha uma escola em Roma onde ensinava o que ele chamava a “verdadeira filosofia”, que é a doutrina cristã. Em 163 Justino e seis dos seus discípulos foram levados perante o prefeito, que havia sido ‚mestre de filosofia do imperador. Como tentasse convencer os destemidos cristãos da tolice da sua fé, Justino respondeu que, depois de haver estudado toda a classe de doutrinas, tinha chegado à conclusão de que a cristã era a verdadeira, e que, portanto, não estava disposto a abandoná-la. Tendo sido ameaçados de morte responderam que o seu mais ardente desejo era sofrer por amor de Jesus Cristo, e que matando-os lhes faria um grande favor. Conduziram-nos logo para o lugar do suplício onde foram açoitados e decapitados. Mas antes disto, Justino escreveu duas Apologias em defesa dos cristãos.

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