Deus arrependeu-se

Génesis 6.6

Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração”

Questão

Afinal, Deus arrepende-se como o homem? Deus não tem necessidade de arrependimento pelas suas acções porque “Deus não é homem para que minta; nem filho do homem para que se arrependa. Porventura, tendo ele dito, não o fará? ou, havendo falado, não o cumprirá?” (Nm 23:19). Esta é a primeira menção acerca do arrependimento de Deus, que nos traz um problema, o qual procuraremos resolver.

Contexto bíblico

O contexto anterior está nos versículos um até ao sete. Deus criou o homem livre, fê-lo com a possibilidade de decisão e escolha responsáveis. Mas, quando verificou que o homem tinha falhado no seu propósito, e a sua maldade era imensa, entristeceu-se grandemente. O vocábulo hebraico ‘nacham’, usado no trecho de Génesis, significa “ficar triste, com dó, mesmo com dor”. A versão grega traduz o hebraico por um vocábulo derivado de ‘thyma’ sacrifício. O Senhor ficou cheio de pena e sofrimento devido ao estado pecaminoso e maldoso da humanidade. Essa mesma dor contribuiu para a decisão de criar uma nova sociedade a partir do justo Noé.

O contexto posterior encontra-se nas passagens estudadas a seguir. Em Dt 32.36 está escrito: “Porque o Senhor julgará o seu povo e se arrependerá concernente aos seus servos, quando vir que o poder deles já se foi, e que não resta nem escravo nem livre.” Novamente, aqui diz que Deus se arrependerá. Embora o vocábulo hebraico seja o mesmo que em Génesis seis, o do grego é outro bem diferente, que significa ‘chamar a si, exortar’. Os versículos 16 e 17 narram que os hebreus provocaram ciúmes a Deus cultuando aqueles falsos deuses: “Com deuses estranhos o moveram a zelos; com abominações o provocaram à ira. Ofereceram sacrifícios aos demónios, não a Deus, a deuses que não haviam conhecido, deuses novos que apareceram há pouco, aos quais os vossos pais não temeram.” A apostasia de Israel era motivo para Deus sentir dor e, ao mesmo tempo, infligir a justa retribuição, conforme narrado nos versículos seguintes.

Agora observemos o trecho e o contexto de 1 Samuel 15:28,29. Este trecho diz respeito a Saul, o rei de Israel antes de David. “Então Samuel lhe disse: O Senhor rasgou de ti hoje o reino de Israel e o deu a um teu próximo, que é melhor do que tu. Também, Aquele que é a força de Israel não mente nem se arrepende, porquanto não é homem para que se arrependa.” Embora o versículo vinte e nove mantenha o mesmo vocábulo hebraico, o grego da Septuaginta está traduzido por ‘metanoia’ a palavra correcta para ‘arrependimento’, a atitude demonstrada pelos pecadores para receberem perdão. Aqui, sim, à referência ao arrependimento genuíno.  O trecho diz que Deus não tem necessidade, como os homens, de arrepender-se, nem, tampouco, altera o seu propósito. Ele permanece inalterável porque jamais se engana.

A contrastar com o anterior temos Jeremias 18:7–10: “Se em qualquer tempo eu falar acerca duma nação, e acerca dum reino, para arrancar, para derribar e para destruir, e se aquela nação, contra a qual falar, se converter da sua maldade, também eu me arrependerei do mal que intentava fazer-lhe.” Neste trecho observamos Deus a dizer que se arrependerá do mal que projectava fazer. O verbo grego ‘metanoeo’ existente é derivado da mesma acima ‘metanoia’. Porém, aqui a acção de Deus está condicionada à atitude do povo: se ele se converter da sua maldade, também Deus mudará a sua atitude concernente ao castigo a infligir por causa do pecado. A conversão é sempre motivo de perdão.

Também neste aspecto Deus não muda, nem se arrepende. Todavia, se continuar em rebelião perante o Senhor, Ele reterá o bem que tencionava fazer-lhe, de acordo com o versículo dez: “se ela fizer o mal diante dos meus olhos, não dando ouvidos à minha voz, então me arrependerei do bem que lhe intentava fazer.” A ideia permanece a mesma. Deus não tem necessidade de arrepender-se, mas tem a possibilidade de reter o bem que concederia ao povo se este se convertesse. Em ambos os casos a acção de Deus está condicionada à atitude do povo. Como está escrito: “Porque serei misericordioso para com suas iniquidades e de seus pecados não me lembrarei mais.” (Hb 8:12).

O próximo trecho a considerar é o de Ezequiel 24:13,14, que diz: “A ferrugem é a tua imundícia de luxúria, porquanto te purifiquei, e tu não te purificaste, não serás purificada nunca da tua imundícia, enquanto eu não tenha satisfeito sobre ti a minha indignação. Eu, o Senhor, o disse: será assim, e o farei; não tornarei atrás e não pouparei, nem me arrependerei; conforme os teus caminhos, e conforme os teus feitos, te julgarei, diz o Senhor Deus.” Também aqui, os tradutores gregos da Septuaginta usaram outro verbo grego ‘eleeo’, que significa compadecer-se, para traduzir o hebraico ‘nacham’. Então, o que Deus quer dizer é que, por causa do pecado do povo, e à falta de conversão, não deixará de infligir o merecido castigo. E porque Ele é justo, não poderá evitar de cumprir a justiça. Também neste caso é sem arrependimento.

A seguir consideremos o trecho de Joel 2.12–14 que narra: “Todavia, ainda agora diz o Senhor: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração, e isso com jejuns, e com choro, e com pranto. E rasgai o vosso coração e não as vossas vestes; e convertei-vos ao Senhor vosso Deus porque ele é misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e grande em benignidade, e se arrepende do mal. Quem sabe se não se voltará e se arrependerá, e deixará após si uma bênção em oferta de cereais e libação para o Senhor vosso Deus?”. Neste caso, a tradução grega contém o verbo ‘metanoeo’ nos versículos treze e catorze. Mas, no verso doze, Deus convida os hebreus à conversão sincera, com jejum e pranto, lamentando o seu pecado, com a promessa de ser misericordioso e compassivo com eles. Se as pessoas responderem ao apelo de Deus, também o Senhor cumpre a sua promessa. Ele é sempre fiel à sua palavra, e sem arrependimento.

Finalmente, consideremos a passagem de Jonas 3.9,10, que descreve: “Quem sabe se Deus se voltará, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos? Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho, e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria, e não o fez.” Perante a pregação de Jonas em Nínive, o seu rei proclamou um jejum nacional, acompanhado pela conversão, na esperança que Deus mudasse de atitude em relação a eles, e desviasse a sua ira para os não castigar, conforme a pregação do profeta. Então, o Senhor, vendo que se converteram das suas más acções, também Ele converteu a sua acção punitiva em bênção. O seu furor foi transformado em misericórdia, e sem arrependimento.

Assim será sempre com todas as pessoas que pecarem. Deus jamais se arrepende da promessa de perdão em virtude da conversão. Mas, também não se arrepende da promessa de castigo em virtude de permanecerem na rebelião. Todavia, “o Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; porém, é compassivo convosco, não querendo que ninguém se perca, senão que todos venham a arrepender-se.” (2 Pd 3:9).

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